Este espaço foi pensado para compartilhar um pouco do meu olhar sobre os temas que me interessam e me atravessam na clínica e na vida. A ideia é que seja um local de expressão e reflexão livre, sem a formalidade da linguagem científica e sem as restrições das redes sociais. Seja muito bem-vindo(a)!
De qual verdade você tem fugido (a tanto custo)?
Em alguns momentos da nossa vida, a gente sabe o que está nos incomodando e faz muitas manobras para não mexer com aquilo. Às vezes, temos pistas de atitudes que tomamos que não estão de acordo com o que faria sentido dentro de nós, mas preferimos não pensar tanto sobre isso.
Esse assunto pode ser pensado tanto individualmente, quanto coletivamente. Nos dois casos, um influencia o outro, já que a nossa cultura é construída e não pré-determinada. Atualmente, a crise climática tem sido escancarada. Ainda assim, muitas pessoas continuam negando-a. O racismo, a “invisibilidade” do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres (tema da redação do Enem 2023) ou até a Terra ser redonda. Se um tema importante é evidenciado ou silenciado coletivamente, as consequências de uma dessas escolhas vão reverberar. Parafraseando a Cida Bento, existem pactos coletivos de silenciamento a respeito de questões que não vão desaparecer ignorando-as. Por mais que se finja que não existem, elas sempre aparecem e as consequências dessa negação são devastadoras.
Em nossas singularidades, cada pessoa tem aquele assunto delicado que é evitado das mais diversas formas e que produz os mais variados tipos de sofrimento. Estarmos dispostos a encará-los e refletir sobre eles é um caminho para uma vida mais autêntica.
Às vezes, nossos sentimentos são de uma ordem anterior às palavras, de um lugar mais primitivo. Neste poema, há um paradoxo: coloca-se em palavras algo dessa experiência que a linguagem não consegue abarcar completamente. Maria Rita Kehl, baseada em Walter Beijamin, afirma que "quando você consegue narrar uma vivência, ela se torna uma experiência".* Essas vivências enriquecem a vida psíquica. Por outro lado, viver sem nomear e sem refletir sobre o que acontece, empobrece a vida psíquica, podendo gerar um sentimento de vazio existencial. A análise oferece um espaço que facilita essa transformação de vivências em experiências.
*Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=w4sts2P4szE
Você já ouviu falar sobre o ciclo da violência doméstica?
A ideia por trás dele é a de que o relacionamento de quem sofre violência nem sempre é ruim o tempo todo. Em geral, ele oscila entre momentos bons (por exemplo: declarações de amor, promessas de mudança, atenção, carinho, ir a um lugar que os dois gostam, fazer algo legal juntos) e momentos de violência (por exemplo: acusar de traição, críticas que diminuem a autoestima da mulher, tentar afastá-la de amigas e familiares, controlar o dinheiro, xingamentos).
Nesse ciclo, é comum acontecerem duas situações que estão interligadas:
a) A vítima pode passar a considerar normais situações de violência mais sutis ou menos intensas que outras já vivenciadas por ela ou por outras mulheres conhecidas.
b) A violência aumentar de intensidade com a renovação de cada ciclo. Veja esse relato fictício de Maria: João começou a ir comigo a lugares que eu ia sozinha, como ao shopping ou sair com minhas amigas. Eu achava que era porque ele queria passar mais tempo comigo. Mas, com o tempo, passou a me proibir de sair de casa. Meses depois, começou a falar que minha família não presta e minhas amigas são todas promíscuas. Para evitar que ele se irritasse, me afastei delas. Com o tempo, começou a me xingar constantemente e, em uma briga, me empurrou. Hoje, ele me bate por qualquer motivo.
No exemplo de Maria, parece fácil identificar que ela está sofrendo violência, principalmente porque ela está sofrendo violência física, que apesar de muito comum, é malvista socialmente. Outros casos, parecem mais difíceis de identificar. Você provavelmente conhece um casal como o dessa imagem: casal "ideal" nas redes sociais: se dão super bem, demonstram afeto, se divertem, escrevem maravilhas um sobre o outro. Mas, pessoalmente, entre os altos e baixos, podem vivenciar situações de violência.